sábado, 14 de julho de 2007

Sem o sofrimento não existe amor




"Há uma história que fala de uma mulher que foi ao Buda, algum tempo depois de seu grande despertar, com seu bebê morto em seus braços. O bebê havia sido mordido por uma cobra enquanto brincava. Ela foi ao Buda na esperança de encontrar um pouco de consolo e alívio para sua dor. O Buda disse que poderia ajudá-la, mas primeiro ela teria que lhe trazer uma semente de mostarda de uma casa que nunca tivesse conhecido o sofrimento. Ela foi de casa em casa, buscando tal semente mas, apesar de lhe oferecerem muitas, ela não conseguiu encontrar uma casa que não conhecera o sofrimento. Então, ela voltou ao Buda, que disse:

Minha irmã, tu encontraste, procurando pelo que ninguém encontra, este bálsamo amargo, que eu tinha a te oferecer. Aquele que tu amas dormia morto em teu colo, ontem; hoje, tu sabes que o mundo inteiro chora com a tua dor."

Os budistas acreditam que o sofrimento é um fato da vida, que ele não é dor nem castigo, mas que deve ser encarado na verdade. Ter conhecimento da dor, compreendê-la, seria a chave para a transcendência do sofrimento. E o que a mulher da história acima encontrou é a mais pura verdade: não existe uma casa neste mundo que não conheça o sofrimento.

Para os muçulmanos o sofrimento, o sacrifício, conduz a uma vida pura, capaz de abrir no homem uma compreensão interior. Isso também é verdade. Quem não já se sentiu mais próximo de Deus, da sua voz interior, da sua alma por meio do sofrimento? Independente de crença, quando se sofre, se purifica, se escuta mais, se busca mais o essencial.

Como cristã aprendi já há alguns anos que o sofrimento fez parte de um profundo mistério de Amor de um Deus que se fez homem e aceitou morrer pela nossa salvação pregado numa cruz, portanto, sofrendo. E que ainda mais, alcançou o ápice dessa dor sentindo-se como Deus, distante do próprio Pai ("Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?"). Algo um pouco incompreensível sem uma base espiritual mais sólida. Mas fascinante para quem entende esse como o momento no qual a unidade entre o Pai e os homens foi reconstituída.

Uma leitura espiritual essa semana me fez destacar em um pequeno texto uma frase muito significativa pra mim e que inclusive me levou a pesquisar sobre o valor do sofrimento nessas grandes religiões. Não tive a intenção de comparar os resultados, mas só queria ter a certeza e que realmente me identifico com o cristão, mesmo tendo lido coisas maravilhosas em textos de Gandhi ou de Buda.
A frase dizia que o "sofrimento é a matéria-prima da caridade". Parei por alguns instantes. Como assim? Sem a matéria-prima grafite, você não tem um lápis. Sem a matéria-prima látex, você não tem a borracha. Sem o petróleo, não existe combustível, sem areia não existe o vidro...

Sem o sofrimento não existe amor! Claro!

Como bem disse Buda, não existe uma só casa que não conheça o sofrimento.
E não existe uma só casa que não conheça o amor.
O sofrimento nos leva a ser mais compreensivos, mas solidários, mais maduros, mais conscientes. Nos conduz tantas vezes a um encontro profundo com Deus e se conseguimos ouvir bem a Sua voz, nos conduz também a não pensar somente em si, a não se fechar na própria dor, mas a procurar a doação, o bem comum, a caridade. Às vezes ele é muito cruel, eu sei, mas e se começarmos a acreditar que quanto mais cruel mais amor ele fará frutificar?

Penso nas mães que perdem seus filhos por causa da violência e criam ONGs ou grupos para ajudar outras mães. Penso em uma amiga que teve o filho internado em um hospital por quase um mês e a partir dali resolveu levar pão e leite para os acompanhantes todos os dias. Penso em tantos outros casos...

Sim, sofrer nos leva a amar. E mais interessante ainda é sofrer para amar.




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